Dias ou semanas
depois de você consultar planos de uma operadora de
telefonia, internet ou TV por assinatura, o telefone toca.
Do outro lado da linha, está um vendedor de uma companhia concorrente
oferecendo os mesmos serviços. Esse cenário vem se tornando cada vez mais
comum.
Operadoras de telecomunicações
estão supostamente trocando dados pessoais
de cidadãos sem cobertura específica para alavancar o
número de clientes atendidos.
O TecMundo recebeu gravações de
chamadas ativas em que atendentes da NET e Oi ofereciam planos de banda larga
para potenciais clientes que não puderam ser atendidos pela internet de fibra
ótica da Vivo. Como eles conseguiram o contato? Supostamente, por meio de uma
base de dados aberta e compartilhada pela Vivo.
"A alegação de ambas as operadoras, por meio dos atendentes, foi o compartilhamento de dados entre concorrentes"
Rafael Silva* entrou em contato
com o TecMundo afirmando que havia realizado
cadastro no site da Vivo para adquirir um plano de fibra ótica, contudo, a
região de sua residência não era atendida. No dia seguinte, Silva começou a
receber a ligações da Oi e NET oferecendo outros planos de internet.
O posicionamento das operadoras
envolvidas nos casos toca na legislação vigente, afirmando que as práticas são
legais. Contudo, a Anatel confirmou ao TecMundoque "as prestadoras de
serviços de telecomunicações estão proibidas de compartilhar dados de
clientes". O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) também
foi consultado e afirmou que prática fere o Código de Defesa do Consumidor.
Ouça:
‘Isso não é legal’ x ‘É assim que
acontece’
Em uma
das ligações recebidas, um atendente da NET foi questionado sobre como eles
conseguiram o número. Ele afirma que isso aconteceu “porque você fez um
cadastro com a operadora Vivo e, quando ela não tem disponibilidade de atender,
outras operadoras atendem”.
“Mas
isso é não é legal, né?”, pergunta a mulher. “É assim que acontece”, responde o
atendente, que completa: “Aqui tem um cadastro seu pronto que chega para a
gente... É só quando não consegue atender né. Aí a gente entra em contato com o
cliente pra ver se tem interesse. A própria Anatel faz essa autorização pro
cliente não ficar sem serviço”.
"Sim,
o senhor não passou. A operadora que o senhor contatou passou para o sistema de
todas as operadoras, entendeu?"
Na
segunda ligação recebida, o atendente da Oi segue com a mesma resposta para
nossa fonte, Rafael. “Por que a Oi tá me ligando?”, pergunta Silva. “Quando o
senhor tem interesse por algum serviço de internet, todas as operadoras ligam
para o senhor oferecendo serviços de internet. Entendeu? Quando o senhor faz
alguma contratação, a gente liga pro senhor oferecendo o serviço”, responde o
atendente da Oi.
“Sim,
mas eu não passei meu telefone para a Oi”, novamente, pergunta Silva. A
resposta do atendente é a seguinte: “Sim, o senhor não passou. A operadora que
o senhor contatou passou para o sistema de todas as operadoras, entendeu? Fica
no sistema. Mas se o senhor já possui um serviço de internet, eu coloco aqui no
sistema que você já possui um serviço de internet. Tá bom?”
Segundo
Bárbara Simão, analista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC),
a prática de compartilhamento de dados, além de contrariar regulamentos, viola
o Código de Defesa do Consumidor. "No artigo 43, que trata especificamente
sobre cadastros, está previsto que qualquer registro de dados pessoais deve ser
feito mediante comunicação prévia e por escrito ao consumidor. Ainda, o mesmo
artigo prevê que consumidores devem ter clareza sobre as fontes de informação
que originaram o banco de dados. Esse compartilhamento, portanto, representa
uma grave violação à legislação consumerista não só pela ausência de
comunicação prévia, mas também porque isso configura um desvio da finalidade de
sua coleta. Um consumidor que preenche um cadastro de uma operadora apenas para
a manutenção de sua relação comercial com a fornecedora não pode ter os seus
dados posteriormente compartilhados e utilizados por outras empresas para
finalidades diversas. Essa prática rompe, também, de maneira mais abrangente,
com a boa-fé nas relações de consumo, princípio que é orientador do CDC".
Bárbara
Simão adiciona que o caso também envolve "violações evidentes à Lei Geral
de Proteção de Dados Pessoais, aprovada em agosto de 2018. Embora ainda não
esteja em vigor, é triste que operadoras de telefonia, ao invés de se ajustarem
às novas regras, estejam caminhando à sua contramão. Princípios como o da
finalidade, necessidade e adequação vão passar a ser norteadores do tratamento
de dados pessoais no Brasil, e seria importante e necessário para todos que
empresas se adequassem à legislação o quanto antes".
Ouça:
Dados nas mãos erradas
O
grande problema desse possível compartilhamento de dados entre empresas é a
troca de informações pessoais, como nome completo, endereço, número telefônico,
CPF e até uma possível renda mensal baseada na escolha de plano.
Todos
estes dados, em um primeiro olhar, parecem inofensivos. Contudo, bases de dados
que contém essas informações devem ser tratadas com segurança, notando que a
privacidade é a máxima.
Nas mãos erradas, informações como essas são perfeitas para golpes de phishing
— que enganam vítimas usando dados atraentes — e até engenharia social.
Outro
ponto: quem gerencia estes dados compartilhados, na maioria das vezes, são
empresas terceiras contratadas para fazer o telemarketing de ativação.
O que dizem as operadoras
- A Vivo, que supostamente seria responsável por repassar uma base de dados de clientes cadastrados, não negou nem afirmou a existência da base ao TecMundo. Por meio de sua assessoria, a companhia disse que não compartilha dados: "A Vivo atua conforme a legislação vigente e não compartilha com terceiros quaisquer informações que envolvam dados pessoais de seus clientes ou prospecções. A empresa revisa constantemente as suas políticas e procedimentos de segurança, na busca permanente pelos mais rígidos controles nos acessos aos dados dos seus consumidores, e no combate a práticas que possam ameaçar a sua privacidade".
- Enquanto isso, a Oi, que utilizaria essa suposta base, enviou um discurso institucional similar: "A Oi informa que segue a Legislação vigente em relação aos serviços de telemarketing e que preserva o sigilo dos dados pessoais de seus clientes. A companhia acrescenta que vai averiguar o caso relatado pelo veículo".
- A NET seguiu
o mesmo caminho: "A NET esclarece que cumpre rigorosamente todas as
leis e normas estabelecidas pela Agência Nacional de Telecomunicações
(ANATEL) em relação ao atendimento de seus clientes e dos interessados em
adquirir os produtos que comercializa. No entanto, está buscando mais
detalhes para apurar o caso específico mencionado pelo TecMundo".
O compartilhamento é proibido
A
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) respondeu as questões levantadas
pelo TecMundo e enviou detalhes sobre a
legislação no que toca operadoras. O órgão deixou claro: "As prestadoras
de serviços de telecomunicações estão proibidas de compartilhar dados de
clientes, salvo exceções previstas em lei", citando inc. IX do art. 3º da
Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, conhecida como Lei Geral de
Telecomunicações (LGT).
"As
prestadoras de serviços de telecomunicações estão proibidas de compartilhar
dados de clientes"
O
órgão também deixa claro que os cidadãos devem ter a privacidade respeitada,
segundo artigo 3°: "O usuário de serviços de telecomunicações tem direito
ao respeito de sua privacidade nos documentos de cobrança e na utilização de
seus dados pessoais pela prestadora do serviço". No âmbito regulamentar, a
proteção dos dados pessoais dos clientes está albergada pelo inc. VII do art.
3º do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de
Telecomunicações, aprovado pela Resolução nº 632, de 7 de março de 2014:
"Exemplos
de exceções em que é possível o compartilhamento de dados pessoais entre
prestadoras de serviços de telecomunicações tem a ver com a necessidade de tal
compartilhamento para o cumprimento de uma obrigação específica. Podem ser
mencionados:
- envio de dados pessoais coletados pela prestadora receptora à doadora para possibilitar a portabilidade do número do celular, situação prevista no art. 49 do Regulamento Geral de Portabilidade (RGP), aprovado pela Resolução nº 460, de 19 de março de 2007;
- compartilhamento
de dados para permitir o cofaturamento de serviços, isto é, o lançamento
de débitos do consumidor de uma prestadora de telecomunicações no
documento de cobrança emitido por outra prestadora, hipótese é coberta
pelo art. 12 do Regulamento do Serviço Móvel Pessoal (SMP), aprovado pela
Resolução nº 477, de 7 de agosto de 2007".
O
compartilhamento de dados feito, neste caso, entre operadoras concorrentes, não
se enquadra nos exemplos de exceções entregues pela Anatel.
Cidadãos
que se sintam lesados podem buscar seus direitos, afirma Bárbara Simão, do
Idec. "Caso uma pessoa esteja preocupada com um possível compartilhamento
de seus dados (porque tem recebido muitas ligações suspeitas de telemarketing
ou qualquer outro motivo), pode perguntar isso para a própria empresa que
ligou. Caso não respondam, é possível abrir uma reclamação no Procon ou na
Anatel. Se responderem e confirmarem o compartilhamento de bancos de dados, é
necessário indicar que a prática é ilegal de acordo com o Código de Defesa do
Consumidor e as normas da Anatel e pedir para que os dados sejam eliminados de quaisquer
bancos de dados compartilhados com terceiros.
Caso se recusem a fazer isso,
cabe, novamente, fazer uma reclamação no Procon ou na Anatel para que possam
iniciar um procedimento administrativo quanto a isso. Esses órgãos podem
investigar mais a fundo essas ocorrências e impor as sanções adequadas",
finaliza.
Como
fazer denúncias ao TecMundo
- Nossos canais são: denuncia@tecmundo.com.br ou felipepayao@protonmail.com
- *Os nomes reais
não foram revelados; pedido expresso das fontes
Fonte: https://www.tecmundo.com.br
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