Uma carta aberta publicada por
funcionários da Microsoft na última
sexta-feira (22) cria mais um capítulo na história de tensões entre as decisões
tomadas pela diretoria de grandes empresas e a consciência dos milhares de
funcionários que trabalham nela.
A carta critica duramente um contrato
de US$ 479 milhões que a Microsoft fechou com o exército dos Estados Unidos, no
qual a empresa irá fabricar 100 mil headsets HoloLens que serão utilizados no
IVAS (Integrated Visual Augmentation System, ou Sistema de Aumento Visual
Integrado, em português), um projeto descrito pelo próprio exército como algo
designado a aumentar a letalidade de suas tropas.
No texto da carta, os funcionários se
mostram alarmados de, de repente, a Microsoft estar trabalhando para
desenvolver equipamentos para que o exército dos Estados Unidos possa maximizar
sua capacidade de matar pessoas, e que quando esses trabalhadores assinaram
seus contratos não havia nenhuma cláusula alertando para o possível
desenvolvimento de armas, e que por isso eles gostariam de ser ouvidos antes
que a empresa resolvesse entrar também nesse mercado.
Endereçada para o CEO da Microsoft,
Satya Nadella, a carta já foi assinada por mais de uma centena de funcionários
da empresa, que não concordam com a entrada da mesma no mercado de armamentos.
A carta ainda cita que ajudar a matar pessoas não é um uso aceitável dos
equipamentos desenvolvidos por eles, e exige que a empresa não apenas quebre o
contrato com o exército, mas abandone também qualquer armamento que possa estar
sendo desenvolvido na empresa e crie uma política de se comprometer a nunca
mais desenvolver nenhum tipo de tecnologia que pode ser usada como armamentos,
além da criação de um comitê externo para garantir que essa política seja
seguida à risca. A carta lembra também que, ainda que a empresa possua um
processo de revisão ético que proíba o desenvolvimento de certos tipos da IA
pela empresas, o projeto IVAS mostra claramente que ele possui uma falha
crítica, já que não é o suficiente para impedir a criação de IAs que serão
usadas como armas.
Os assinantes da carta ainda afirmam
que, como funcionários e acionistas, eles não querem que a empresa se torne uma
companhia que lucra com guerras e conflitos bélicos, e que por isso exigem que
a empresa abandone todas as atividades voltadas para a melhoria do arsenal do
exército dos Estados Unidos.
Em declaração oficial sobre o caso,
um porta-voz da empresa apontou para uma postagem de outubro no blog da
Microsoft, postado quando a empresa havia iniciado a disputa pelo contrato com
o exército. Na postagem, a empresa afirma que foi uma decisão tomada baseada na
opinião geral de seus funcionários, e que a empresa mantém sua posição de ficar
atenta às importantes questões éticas do uso de IA para usos militares — uma
mensagem que, basicamente, tenta se esquivar com afirmações vagas e que não
responde a nenhuma das preocupações levantadas pelos funcionários em sua carta
aberta.
Essa não é a primeira vez que um
movimento de funcionários se coloca contrário às decisões econômicas de
empresas quando elas não parecem levar o sentimento deles em conta. No ano
passado, funcionários da Google se uniram e conseguiram barrar dois contratos
controversos da gigante da internet: o Projeto Maven, que criaria uma IA para
mísseis e drones que conseguiria distinguir pessoas de objetos, e o Projeto
Dragonfly, onde a Google construiria
um mecanismo de busca onde o governo chinês teria total acesso a todas as
ferramentas de configuração e poderia censurar qualquer conteúdo sem precisar
avisar para o usuário que haviam conteúdos que foram censurados naquela página
de resultados (como o Google na China faz hoje).
Além disso, também não é a primeira
vez que a Microsoft é criticada por seus funcionários por conta de seu trabalho
com órgãos do governo. Quando descobriram que, no ano passado, a tecnologia da
empresa estava sendo utilizada pela Agência de Imigração (que à época aplicava
uma das políticas mais polêmicas e desumanas já vistas nos Estados Unidos, onde
famílias de imigrantes eram separadas de seus filhos de modo forçado pelos
agentes de Imigração e não havia nenhum controle para que essas crianças
pudessem ser reunidas com seus pais quando eles fossem deportados — uma tática
que, na prática, significava o sequestro de crianças praticado de forma oficial
pelo estado) os funcionários da Microsoft também se revoltaram com a empresa e
exigiram que ela parasse de trabalhar com a Agência.
Mesmo assim, na época os executivos
da Microsoft defenderam a decisão tomada em ajudar a Agência de Imigração, e
continuaram trabalhando com ela, apesar da reclamação dos funcionários. Se a
história se repetir, podemos esperar que, mais uma vez, a preocupação daqueles
que trabalham na Microsoft seja varrida para baixo do tapete também nesse caso
atual.
Fonte: The Verge
Nenhum comentário:
Postar um comentário