Imagine-se no seguinte cenário: você
tem uma viagem de avião marcada, chega ao aeroporto e aguarda pelo embarque. Lá
fora, o tempo se fecha cada vez mais e, ainda assim, sua viagem é inadiável. O
número de raios e relâmpagos começa a aumentar e as chances de um deles atingir
seu avião também. E aí, você embarcaria? E se um raio acertasse a aeronave em
cheio, com você dentro? O que aconteceria?
Primeiramente, aqui vai uma
estatística interessante: segundo o ELAT, Grupo de Eletricidade Atmosférica do
INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), aviões comerciais são
atingidos por relâmpagos uma vez por ano — e isso durante decolagem ou
aterrissagem, quando estão em alturas abaixo de 5 km do solo. Se as
consequências das descargas elétricas fossem tão drásticas todas as vezes que
um raio atingisse um avião, você ouviria, no mínimo, uma manchete de noticiário
por ano anunciando que o acidente foi grave. Qual foi a última vez que você viu
uma notícia dessas na televisão?
Origem das descargas elétricas nos aviões
A forma e o tamanho das aeronaves
podem atrair as descargas elétricas, mas os resultados, geralmente, não causam
danos irreversíveis. Na grande maioria das vezes, o que acontece é que, ao
adentrar uma nuvem ou mesmo voar próximo dela, um avião pode intensificar o
campo elétrico e dar início a descargas, formando relâmpagos induzidos. Após
formado, o raio pode vir de dentro de uma nuvem, da nuvem ao solo ou mesmo se
formar entre duas nuvens.
Desde que um acidente terrível
acometeu um Boeing 707 em 1963, nos Estados Unidos, a indústria aeroespacial
modificou o projeto das aeronaves. Na época, um raio acertou em cheio o Boeing
em pleno voo e ocasionou a explosão do tanque de combustível, resultando na
queda do avião e morte de 81 pessoas. A partir daí, novas pesquisas foram
conduzidas e a indústria remanejou o projeto dos aviões, modificando o sistema
de combustível para praticamente eliminar os riscos de acidentes como esse.
Hoje em dia, quando um raio atinge
uma aeronave, causa apenas danos parciais na fuselagem e nas antenas externas.
Isso acontece porque, além da modificação do sistema de combustível, os
sistemas eletrônicos das aeronaves geralmente são blindados para evitar
interferências da radiação dos relâmpagos. Além disso, com o avanço das
tecnologias aéreas, os pilotos conseguem antever condições climáticas e evitam
voar próximos a nuvens carregadas.
Este avião neozelandês foi atingido por um raio
enquanto voava no Canadá e teve o nariz parcialmente destruído (via Stuff NZ)
Estou sentado na poltrona, um raio
atinge o avião. E agora?
Saiba que, uma vez dentro de uma
nuvem ou próximo a ela, seu avião acaba virando para-raio. Isso acontece porque
um relâmpago atinge uma extremidade da aeronave, como o nariz ou a ponta da
asa, e percorre todo o corpo do veículo na sequência, indo em direção ao solo
no final. Devido ao atrito com o ar, a carenagem do avião acumula muita
eletricidade estática, o que acaba atraindo essas descargas elétricas.
Mas se você estiver no interior da
cabine, não vai sentir muita coisa, a não ser um ruído bem alto de trovão e
aquele clarão característico, caso esteja olhando pela janelinha. O raio atinge
e se dissipa da aeronave em fração de segundos, e logo tudo volta ao normal.
No vídeo abaixo, um avião da KLM é
acertado em cheio por um raio em pleno voo e, pelo que você pode perceber,
continuou operando normalmente.
Os pilotos podem identificar, com a
ajuda dos sistemas de bordo, se houve algum dano à aeronave e se todos a bordo
estão bem. As torres de controle também servem para informar ou serem
informadas sobre a incidência de raios para que, quando pousar, a aeronave
passe por uma inspeção.
Claro que, mesmo cientes do efeito e
da “passagem” do raio pela carcaça do avião, os engenheiros desenvolveram um
sistema de segurança para evitar que uma descarga elevadíssima de energia cause
danos maiores à aeronave. Afinal, um raio tem, em média, uma corrente de 200
mil ampères — lembrando que, segundo Adam Savage, do Myth Busters, sete ampères
já são o suficiente para causar arritmia cardíaca grave e matar uma pessoa.
Sendo assim, as asas do avião contam com dissipadores que servem para
descarregar essa energia estática acumulada e liberá-la durante o voo, sem
comprometer os sistemas elétricos e eletrônicos do veículo.
A Gaiola de Faraday
Você deve se lembrar desse nome
quando estudou física no ensino médio. Um experimento conduzido por Michael
Faraday em 1836 explica perfeitamente por que o avião recebe a descarga
elétrica e ninguém em seu interior sofre os danos.
O físico-químico usou uma gaiola
metálica com um isolante e uma cadeira de madeira em seu interior, onde ele
mesmo se sentou antes que uma descarga elétrica fosse aplicada de uma bobina de
Tesla diretamente à estrutura. Quando a energia foi aplicada à gaiola, Faraday
escapou ileso, provando que o corpo dentro de uma estrutura metálica submetida
a uma descarga elétrica fica protegido devido ao caminho percorrido pelos
elétrons na parte externa da superfície.
Experimento: o homem saiu de lá ileso (Imagem
via Survival Mastery)
Na prática, aviões funcionam como
gaiolas. Eles possuem fuselagem metálica e criam um campo eletrostático. Quando
um raio atinge a carcaça, esta conduz a eletricidade apenas na parte externa, e
ela logo se dissipa. Como na Gaiola de Faraday, o interior permanece intacto.
Um raio, após atingir um avião, percorre toda a sua fuselagem e parte dele
acaba se desviando em direção ao solo.
Aviões para-raios e aviões antirraios
Segundo Murilo Basseto, do AeroIN,
nem todos os aviões podem ser atingidos por raios. Os Boeing 747 e 777 são
feitos de alumínio e reproduzem com exatidão o efeito do experimento de
Faraday. Em contrapartida, modelos mais atuais, como o Boeing 787 Dreamliner,
E-Jets da Embraer e o Airbus 350, não possuem fuselagem metálica, às vezes
optando por materiais leves, como o plástico. A parte externa é uma cobertura
ultrafina de malha de cobre ou mesmo tinta de alumínio espacial — desenvolvida
especificamente para conduzir a eletricidade e garantir o efeito da Gaiola de
Faraday.
Fonte: ELAT (INPE), Scientific American, Wikipedia, AeroIN, Stuff e Gizmodo



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