quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Tecnologia e arqueologia se unem para desvendar enigmas do passado

Você já parou para pensar no quanto o nosso entendimento sobre as origens da civilização humana e a evolução do nosso planeta avançou graças aos avanços tecnológicos das últimas décadas? O salto foi absurdo e, com o surgimento de novas técnicas e o desenvolvimento de equipamentos mais refinados e modernos, jamais se desvendaram tantos mistérios sobre o passado como agora.

História de todos nós

Em um fascinante artigo publicado no site The Conversation, a dupla formada por Elizabeth Sawchuk – estudante de pós-doutorado e professora e pesquisadora assistente de Antropologia da Universidade Estadual de Nova York – e Mary Prendergast (professora de Antropologia da Universidade Saint Louis em Madrid) elenca uma série de exemplos de como a tecnologia vem ajudando pesquisadores das mais variadas áreas a preencher lacunas da história da civilização humana e do próprio planeta, especialmente de uns anos para cá.
Australopithecus africanus (Fonte: Wikimedia Commons / José Braga / Didier Descouens)

Para se ter ideia da velocidade com a qual novas descobertas vêm sendo feitas, Elizabeth e Mary nos convidas a pensar no quanto o nosso conhecimento sobre a nossa própria origem progrediu desde que o 1º fóssil pertencente a um hominídeo, o crânio da “Criança de Taung”, foi encontrado na África do Sul, em 1924. Não só o pequeno artefato – que consiste nos ossos da cabecinha de uma criança de cerca de 3 anos que foi classificado como sendo da espécie Australopithecus africanus – mudou para sempre o entendimento que se tinha da evolução humana, como alterou os rumos das pesquisas nessa área.

De lá para cá, outras tantas espécies de hominídeos foram identificadas – entre elas, a Australopithecus deryiremeda e a Australopithecus sediba – e, graças aos avanços nas técnicas de obtenção de amostras de DNA e de sequenciamento genético, a ideia de que os humanos modernos evoluíram há cerca de 200 mil anos na África teve de ser repensada, uma vez que as evidências examinadas nos últimos anos mostram que a espécie aparentemente surgiu pelo menos 100 mil anos antes que isso.
Australopithecus sediba (Fonte: Wikimedia Commons / Brett Eloff)

Ademais, o desenvolvimento de novas tecnologias que permitem a análise genética de materiais com milhões de anos permitiu aos cientistas identificar antigos hominídeos que viveram entre 7 e 5 milhões de anos atrás – possivelmente por volta da época em testes de DNA sugerem que o nosso ancestral mais antigo tomou uma linha evolutiva distinta da dos grandes símios. Além disso, com os avanços, os pesquisadores já podem revisitar e reavaliar fósseis armazenados em museus e universidades e retomar estudos que a tecnologia do passado obrigou a aposentar.

Esse é o caso do fóssil de 4,4 milhões de anos conhecido como “Ardi” – que foi descoberto na Etiópia no início dos anos 90, mas só por ter a sua idade e autenticidade comprovadas e espécie devidamente classificada em 2009, quando recebeu o nome científico de Ardipithecus ramidus. Esse indivíduo, aliás, permitiu que os pesquisadores descobrissem uma porção de coisas sobre como e quando os hominídeos começaram a caminhar de forma ereta, sobre as 2 pernas.
Ardi, à direita (Fonte: Wikimedia Commons / Emoke Dénes)
Preenchendo lacunas

O progresso tecnológico das últimas décadas também trouxe à tona evidências de que, ao contrário do que se pensava, a nossa espécie pode não ter se originado em um único lugar – mas sim ter evoluído em diferentes partes do continente africano por volta da mesma época. Os avanços revelaram ainda que os Homo sapiens ocuparam o planeta concomitantemente com outras espécies, como os Homo floresiensis, os neandertais e os denisovanos. E mais: hoje sabe-se, por exemplo, que os humanos modernos e os neandertais se relacionaram no passado, tanto que uma grande parcela da população, em especial a de origem europeia, carrega genes dessa espécie extinta em seu DNA. Os denisovanos, por sinal, também dividiram a “cama” com os nossos ancestrais. E com os neandertais! Sim, uma suruba de espécies...
(Fonte: Quora / Reprodução)

O bacana é que, além de a tecnologia ter progredido de maneira a possibilitar que amostras genéticas sejam coletadas a partir de fragmentos de ossos de milhares – e até milhões – de anos, hoje é inclusive possível obter DNA e elementos como proteínas, lipídeos, minerais, moléculas etc., de resíduos presentes em dentes, “gomas de mascar”, fibras, utensílios, ferramentas e muitas outras fontes.

Esses elementos todos, por sua vez, podem revelar não só aspectos genéticos, mas detalhes sobre a dieta, hábitos e saúde dos nossos antepassados, como podem oferecer oportunidades para que os cientistas possam reconstruir como era o ambiente onde os indivíduos estudados viviam, como eram as suas rotinas, quais tipos de dificuldades enfrentavam e com quais doenças padeciam.

Do micro ao macro

Mas o progresso tecnológico não chegou apenas aos laboratórios, não! Hoje em dia é cada vez mais comum que os cientistas façam descobertas arqueológicas por meio de imagens de satélite, observações feitas por drones e levantamentos conduzidos por meio do sensoriamento remoto realizado por laser e outros equipamentos. Foi assim que “cidades perdidas” e edificações “engolidas” pela natureza foram redescobertas em florestas da América Central, em regiões remotas do Oriente e da Ásia e em áreas desérticas da África.
Antiga cidade maia descoberta na Guatemala (Fonte: National Geographic / Reprodução)

E essas ferramentas vêm auxiliado os pesquisadores a fazer descobertas sem ter que realizar escavações ou impactar o ambiente, além de facilitar o monitoramento e proteção dos sítios arqueológicos e possibilitar que locais potencialmente perigosos ou situados em regiões de conflito sejam estudados, mesmo que à distância. Inclusive estruturas situadas sob a superfície podem ser estudadas graças ao desenvolvimento de novos equipamentos e sensores – e até a IA e conceitos de Big Data vêm sendo escalados para ajudar os exploradores na análise das informações coletadas.

E você notou que as designações “arqueólogo” e “paleontólogo” foram pouco usadas no texto? Isso porque as equipes e expedições estão se tornando cada vez mais diversas e multidisciplinares – e é cada vez mais comum que membros das comunidades locais e cientistas amadores sejam convidados para contribuir com os pesquisadores e participar ativamente dos processos de descobrir, recriar e reescrever a História. A nossa História.
(Fonte: Woods Hole Oceanographic Institution / Reprodução)

Além disso, sabe aquele papo de que devemos olhar para o passado para compreender o presente e prever como será o futuro? Esse conceito nunca foi tão verdadeiro como agora, já que as descobertas arqueológicas das últimas décadas não estão somente enriquecendo o nosso conhecimento no âmbito histórico e evolutivo. Os dados levantados vêm, por exemplo, aportando cada vez mais suporte empírico para as mudanças climáticas que estão ocorrendo no planeta, e revelando alternativas usadas por nossos ancestrais para se adaptar e sobreviver sob novas condições que podem servir não só de exemplo nos dias de hoje, como de lição.

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